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Parque Tecnológico vai incentivar ‘tríplice hélice da inovação’

publicado: 21/02/2021 00h00, última modificação: 23/02/2021 18h53
Relação entre governos, universidades e empresas é fundamental para o desenvolvimento de pesquisas científicas
Divulgação

O antigo Colégio Nossa Senhora das Neves vai sediar o Parque Tecnológico Horizontes de Inovação/ foto: Delmer Rodrigues (Seect)

 

 

Renato Félix

 

O Parque Tecnológico Horizontes de Inovação ainda não está ocupando o antigo Colégio Nossa Senhora das Neves, onde será instalado pelo Governo da Paraíba, mas seus trabalhos já começaram. Representantes de entidades que trabalharão juntas no funcionamento do equipamento no Centro Histórico de João Pessoa estão fazendo reuniões virtuais para as discussões a respeito dessa implantação. A segunda Oficina Online sobre Ecossistemas de Inovação, com o tema “Ressignificando Territórios”, realizada pela Secretaria Executiva da Ciência e Tecnologia da Paraíba (SEC&T) aconteceu na quinta passada.

O evento contou com convidados relacionados ao ecossistema de inovação da Paraíba: UFPB, UFCG, Sebrae, Extremotec, Cagepa e a Fundação de Apoio à Pesquisa da Paraíba (FapesqPB) são algumas das entidades que estão participando das discussões. No segundo evento, a palestra de abertura foi de Daniella Bandeira, coordenadora da Coordenadoria do Patrimônio Cultural de João Pessoa (Copac-JP), que falou sobre os desafios para a inovação urbana no Centro Histórico da capital paraibana.

Um dos objetivos do Parque Tecnológico é aumentar a intensidade do conceito chamado de “tríplice hélice para a inovação” na Paraíba. O modelo teórico foi desenvolvido por Henry Etzkowitz e Loet Leydesdorff na década de 1990 para definir a relação entre governos, universidades e empresas para promover a inovação tecnológica. Há experiências na Paraíba que procuram estreitar essa aproximação.

 

 

Paraíba é destaque entre unidades Embrapii

 

A Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii), financiada pelo governo federal, tem 61 unidades pelo Brasil para apoiar instituições de pesquisa tecnológica. Na Paraíba, são duas unidades em funcionamento: uma no IFPB, em João Pessoa; outra na UFCG, em Campina Grande. Só no estado, são 169 projetos realizados, R$ 120 milhões investidos. 71 empresas de outros estados desenvolveram projetos com as unidades da Paraíba.

A unidade da Universidade Federal de Campina Grande funciona no Centro de Engenharia Elétrica e é voltada para software e automação. A unidade do Instituto Federal da Paraíba se dedica a sistemas para manufatura e teve 33 estudantes participando dos projetos de formação de recursos humanos da Embrapii.

“Nos primeiros 3 anos foram 17 projetos. Nos recredenciamos para mais 3 anos em dezembro de 2020”, conta Erick Melo, e diretor geral do Polo de Inovação do IFPB, do qual faz parte a Unidade Embrapii de João Pessoa, da qual ele também é coordenador. “Por termos nos destacado dentre as outras unidades no Brasil na capacitação de estudantes na metodologia de aprendizado baseado em projetos, fomos convidados pela Embrapii para apresentar o nosso case de sucesso durante evento do Mês Nacional da Ciência, Tecnologia e Inovações”.

Das 61 unidades do país, apenas 12 estão em instiutos federais. “Dentre as unidades que são da rede dos institutos federais, nos destacamos no processo de capacitação dos alunos nos projetos em parceria com grandes empresas como a Huawei”, afirma o coordenador.

A unidade de João Pessoa recebe um aporte padrão de 3 milhões para serem disponibilizados as empresas parceiras que têm interesse na pesquisa, desenvolvimento e inovação dentro da área de sistemas para manufatura com foco na indústria 4.0. Um ponto importante: o investimento não é reembolsável.

“Isso significa que a empresa pode arriscar desenvolver algo novo pra sua cadeia produtiva sem se preocupar no risco tecnológico envolvido que inerente aos projetos de PD&I”, explica Melo, referindo-se à sigla de “Pesquisa, desenvolvimento & inovação”. “Você pode ir por dois, três anos ali trabalhando e não chegar ao resultado que se espera. Encontra outro problema e sabe que aquele caminho não pode ser mais seguido. Isso faz parte demais do processo de PD&I. Esse processo contínuo que envolve um risco tecnológico muito grande”.

As empresas não atuam diretamente no projeto em desenvolvimento na Embrapii de João Pessoa, mas há um acompanhamento. Inclusive, como a maior parte das empresas são de fora da Paraíba, esse acompanhamento é remoto até o momento da apresentação do protótipo do produto final. “Quem desenvolve o que ele desejam somos nós, através do nosso banco de especialistas: servidores, alunos e colaboradores externos”, enumera Erick Melo. “Mas quanto mais interação com o cliente, melhor o produto que você vai ofertar a ele”.

 

 

Universidades paraibanas são líderes em patentes

 

Essa triangulação entre governos, universidades e empresas é importante, mas não minimiza a importância do financiamento público às pesquisas científicas. “Com a covid-19, os governos, de maneira geral no Brasil, desenvolveram um conjunto de ações voltadas para a valorização da ciência, enquanto mecanismo de fomento à pesquisa e desenvolvimento”, afirma Vinícius Moreira, professor da graduação e mestrado em Administração da UFCG e assessor de cooperação internacional da FapesqPB. “Quando a gente investe em P&D, que é pesquisa e desenvolvimento, isso envolve muito risco. É muita grana aportada em projetos sobre os quais a gente tem a expectativa de que o resultado seja positivo. Mas a gente tem uma curva de aprendizagem até que a gente consiga de fato ter um produto efetivo – e quando eu digo ‘produto’, é o resultado que a gente tanto espera. O papel do estado é financiar essas ações, entrar com o capital para instigar essas ações”.

“As universidades devem sempre ter um financiamento público’, concorda Cleverton Rodrigues Fernandes, diretor de Propriedade Intelectual da Inova UFPB, agência da Universidade Federal da Paraíba. “O privado é importante, mas tende a criar distorções. O financiamento público pode favorecer uma maior liberdade entre os pesquisadores para criar coisas realmente inéditas – muitas vezes não pensadas pela indústria. Quando o financiamento é privado, o foco é muitas vezes apenas o problema específico da empresa ou do consumidor”.

Mas ele também acredita que a participação das empresas no processo é até inevitável. “Nenhuma tecnologia criada pelos pesquisadores, em qualquer lugar do mundo, está 100% pronto para ganhar o mercado”, afirma. “Então precisa de investimentos da empresas, ainda, para ganhar o mercado, tornar aquele produto comercial. O cenário atual de cortes não justifica a busca de investimento privado em detrimento do público, mas o incremento privado nas pesquisas públicas vem agregar – inclusive pra motivar os pesquisadores”.

Um passo para isso é a patente, ao final da pesquisa. “É um registro de garantia da invenção”, explica Vinícius Moreira. “Eu ganho o reconhecimento de que aquele processo foi desenhado por mim e que vou ter um certo tempo para explorar de forma exclusiva os caminhos que me levaram àquele resultado. Isso protege um pouco o investimento de tempo e capital que foi dedicado àquele produto”.

“A patente vai resguardar seu direito como sendo proprietário durante um período – aqui no Brasil pode ser variar entre 15 e 20 anos”, complementa Fernandes. “Então a empresa associada teria um tempo bacana para ser a única a comercializar aquele produto e, tendo esse monopólio temporário, teria um ganho que a faria recuperar os riscos de colocar aquele produto no mercado”.

As universidades federais paraibanas têm se destacado nacionalmente no ranking de patentes. A UFPB ficou no primeiro lugar em 2018 e 2019. E a UFCG emplacou o segundo lugar em 2019. Para a lista de 2020, ainda não divulgada, a expectativa é de nova vitória. “A UFCG possivelmente será a primeria este ano”, diz Fernandes. “Isso dá visibilidade. As empresas veem isso. Esses dados compõem os indicadores de inovação de uma região e de um país”.

“Essa liderança vem muito em função de um trabalho árduo dos núcleos de inovação tecnológica e das agências de inovação”, diz Moreira. “Estamos agora numa outra fase que é uma busca desse diálogo com o mercado. Então a gente precisa agora é tentar fazer com que essas nossas invenções, nossas inovações, possam chegar até o mercado”.

 

 

Inova UFPB faz o ‘meio de campo’ com empresas

 

A agência UFPB de Inovação Tecnológica (Inova UFPB) tem buscado trabalhar nesse sentido. O órgão é um Núcleo de Inovação Tecnológica (NIT), criados pela Lei de Inovação de 2004, mas recuperando um trabalho de registros de propriedade intelectual na UFPB. A partir de 1982, existiu um na UFPB tratando de patentes. Nos anos 1990, o órgão ficou inativo. Com a lei de 2004, o núcleo foi reconstituído em 2006, com o nome Coordenação Geral de Inovação Tecnológica, vinculada à então Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa (PRPG), cuidando de patentes, desenho industrial, marcas, programas de computador, direito autoral.

“Essa coordenação ficava vinculada a ela, mas geria todos os campus da UFPB. Mas a atuação era muito restrita e tinha muitas limitações internas, por ser uma coordenação”, lembra Cleverton Fernandes, que passou a atuar no órgão em 2010. Transformar o núcleo em agência renderia uma autonomia maior para o órgão e deixar os processos mais ágeis. Fernandes, a partir de 2011, começou a trabalhar nessa mudança, pesquisando outros órgãos no modelo pelo país.

“O Núcleo de Inovação Tecnológica como agência teria mais flexibilidade, autonomia, maior visibilidade e proporcionaria uma acesso maior tanto dos pesquisadores quanto um interesse maior das empresas”, continua. “A agência teria uma posição estratégica na instituição UFPB”.

Em 2013, a agência foi efetivamente criada e saiu da hierarquia da PRPG e passou a ser um órgão suplementar vinculado diretamente à Reitoria. O órgão passou a ter uma sede mais estruturada, um aumento no número de servidores e nos recursos.

Gerir a propriedade intelectual é orientar pesquisadores, fazer o depósito de registro de patentes, de programas de computador, de desenho industrial no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI). Fazer a manutenção e o pagamento das taxas, acompanhando prazos. “Se for necessário, fazer um pedido internacional para proteger aquela tecnologia em outro pais”, adiciona Fernandes. “O Núcleo de Inovação de Tecnologia da UFPB também tem essa função”.

Além disso, também faz a prospecção sobre as necessidades do mercado para serem sanadas por pesquisas da UFPB, e também escoar essas tecnologias protegidas para o mercado através de parcerias, apresentação de portfólios para empresas constituídas e o estímulo ao empreendedorismo por meio da incubação de empresas de base tecnológica.

Depois da patente registrada, a equipe da Diretoria de Transferência e Licenciamento Tecnológico da agência entra em contato com empresas para tentar fechar parcerias. “Para ver as demandas que a empresa já tinha. E ver se aquilo ali casa com as demandas delas...”, explica Fernandes. “Vamos supor que deu certo: vai ser firmado então o licenciamento, a empresa vai ‘alugar’ aquela tecnologia. Aquilo já vai gerar rendimento para a universidade, retorno para os pesquisadores de outras formas”.

Mas esse caminho não é fácil. Além de precisar casar as inovações geradas nas universidades com os interesses e necessidades das empresas, é preciso superar a barreira de um certo desisteresse pelo empresariado brasileiro na área. “Historicamente as empresas brasileiras não são muito afeitas à inovação tecnológica. O empresariado brasileiro, no geral, não fica muito acompanhando as publicações. Não há interesse de se aventuras com aquela tecnologia porque os riscos de insucesso são muito altos”, diz Cléverton Fernandes.

A transformação da pesquisa em produto final depende muito da participação das empresas. “Esses produtos são criados na universidade, mas não desenvolvidos até o final. O desenvolvimento final cabe muito mais à empresa”, conta. “As universidades desenvolvem a solução, até uma linha de protótipos, testes iniciais – muitos questionamentos se daria certo ou não já foram sanados”.

Quando se faz a proteção da patente (ou os outros registros de propriedade intelectual), a instituição recebe a possibilidade de avançar com o teste para virar um produto viável economicamente – a empresa pode apostar, pelo menos, que outra concorrente não vai simplesmente roubar a tecnologia e usar para si impunemente.

Esse “triângulo amoroso” da inovação entre governos, univiersidades e empresas é cheio de idas e vindas, negociações. E entidades como a Embrapii, a Inova UFPB e o Parque Tecnológico Horizontes de Inovação buscam ajudar nessa sintonia fina. O que é a base para tudo isso é a importância fundamental da ciência e a necessidade tanto de financiamento quanto de estruturar meios que facilitem aos resultados das pesquisas chegarem à sociedade.

“No momento que estamos vivenciando agora da pandemia, acho que ficou claro para a sociedade a relevância de investimentos em torno da ciência”, resume Vinícius Moreira. “E a ciência é feita de tentativas e erros o tempo todo. Não é um passe de mágica, não existe isso na ciência. Ela é feita de pesquisa intensiva para se encontrar a verdade dos fatos, ou o caminho para chegar a um resultado mais efetivo”.