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ENTREVISTA

Jean-Pierre Ometto: 'Políticas climáticas devem ser trazidas para um debate transversal na sociedade'

publicado: 11/12/2022 00h00, última modificação: 12/12/2022 11h53
Cientista do Inpe participou em João Pessoa do Panorama das Políticas Climáticas na Paraíba e no Nordeste e falou sobre os desafios da humanidade a respeito do aquecimento da Terra
Divulgação

Jean-Pierre Ometto em palestra no auditório do Sebrae, em João Pessoa/ foto: Delmer Oliveira

 

 

 

Márcia Dementshuk

 

Imagine a temperatura média estar 1,5 graus Celsius mais alta nas áreas sertanejas onde vivem cerca 27 milhões de pessoas. Pesquisas demonstram que algumas sementes não germinariam em solo mais quente; os ciclos de chuvas mudariam; agricultores familiares seriam acometidos pelas dificuldades de sobrevivência. Aos poucos, as famílias procuram outros lugares para viver provocando um êxodo. Qual o impacto da migração dessas pessoas? Os impactos e soluções para as questões das mudanças climáticas foram debatidos no “Panorama das Políticas Climáticas na Paraíba e no Nordeste”, promovido pelo Governo da Paraíba, por meio da Secretaria de Estado da Educação e da Ciência e Tecnologia (Seect) e pela Secretaria de Estado da Infraestrutura, dos Recursos Hídricos e do Meio Ambiente (Seirhma), realizado nesta última semana no auditório do Sebrae, em João Pessoa. Durante o evento, Jean Pierre Ometto, coordenador do Programa de Pós-Graduação do Centro de Ciências do Sistema Terrestre do Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe) ponderou acerca de entraves para o andamento das políticas climáticas em entrevista especial.

 

Quais são os empecilhos para o andamento das políticas climáticas?

“Há um contexto de política e outro de indivíduo. Na sociedade há uma percepção de que mudança climática é algo que existe. As pessoas já ouviram falar e consideram um fato. Na política é diferente, entra em um universo complexo em diversos níveis e questões e mudança climática é uma delas. Mas esse tema perpassa todas: diversidade, desigualdade, acesso, recurso, distribuição espacial das pessoas, biodiversidade, infraestrutura. Precisa ser trazido para esse debate que é transversal em todos os elementos da sociedade. É um ponto de virada: questão climática não é uma bolha dentro do contexto político.”

 

Qual a influência dos cientistas para as decisões políticas?

Existe uma transição do que é a questão ambiental (e climática) há 40 anos para o que é hoje. No planeta há uma Convenção do Clima, de Biodiversidade, de Desertificação que dialogam nesse contexto, mas as decisões procedentes desse contexto são muito mais lentas do que deveriam ser. Os cientistas subsidiam essas organizações com informações e a expectativa da ciência, da academia é que as decisões [políticas] não estão acontecendo na urgência que deveriam acontecer, tanto no Brasil quanto fora dele. Há momentos em que ideologias particulares atrasam ainda mais processo. Há países que passaram por momentos de negacionismo. E há o elemento de geopolítica, guerra, necessidade de energia... Contextos que não deixam de interferir.

 

Como a sociedade participa desse processo decisório?

Existe uma responsabilidade de quem está gerando essa informação na academia, na ciência como um todo, fazer com que essa informação chegue à sociedade de uma maneira intuitiva para que as pessoas incorporem isso no seu dia a dia. E o processo [a pressão social] de baixo pra cima influencia o processo decisório. E temos uma urgência para que isso aconteça porque estamos mudando muito pouco a trajetória das mudanças climáticas.

 

Quando a aceleração das mudanças climáticas teve início?

A mudança climática ocorre pela mudança da composição da atmosfera. Isso está sendo alterado hoje [na maior parcela] por atividades humanas – majoritariamente pela queima de combustíveis fósseis. A referência acadêmico-científica para [a mensuração] desse contexto é a Revolução Industrial, quando se começou a usar de maneira mais intensa o combustível fóssil. Trouxe aceleração do uso e disponibilidade de recurso, necessários para a produção [dos bens de consumo] que usa o combustível fóssil lançando carbono para a atmosfera. Hoje emitimos 50% a mais de carbono do que na década de 1990. É um processo recente de superaceleração. No caso da concentração de CO2 na atmosfera, é o dobro do que era há 200 anos atrás. Considerando esse período de tempo na história do Planeta, é um lapso.  Sendo muito rápidas essas mudanças, os ecossistemas têm dificuldades de se adaptar.

 

 Qual a parcela social que mais sofre os impactos?

As populações mais vulneráveis econômica e socialmente são as mais suscetíveis às mudanças climáticas também. Imagina uma população que vive marginalmente numa área de manguezal: ela está sujeita ao aumento do nível do mar; o que agrava a desigualdade social, a falta de acesso, de recurso, problemas que têm que ser tratados como questões sociais sérias. Já vemos processos de migração de populações associadas a uma dificuldade de produção de alimentos. Os locais para onde essas pessoas vão têm estrutura para recebê-las? Elas continuarão à margem dos direitos sociais? Se isso acontece dentro de um mesmo país é de responsabilidade do país, mas não é o que ocorreu na Guatemala recentemente, quando as pessoas se dirigiram aos Estados Unidos. A origem pode não ser necessariamente ambiental, mas agrava a desigualdade.

 

Como seria possível uma transição sustentável na agricultura na Caatinga?

Eu coordeno um projeto pelo Inpe, ficou conhecido como ‘Nexus’ (Projeto: “Transição para a sustentabilidade e o nexo água-agricultura-energia: explorando uma abordagem integradora casos de estudo dos biomas Cerrado e Caatinga - Nexus”), que busca essa informação com os atores locais através de oficinas. Já foram realizadas na Bahia, na Paraíba e em Pernambuco. Busca-se a participação de representantes das diferentes esferas de produção. Pretendemos entender qual a percepção das pessoas do que é uma transição à sustentabilidade. Primeiro, identificar se o momento atual é sustentável e, se não for, quais as atitudes tomar para ser. O que vemos como problema – e isso se agrava com as questões climáticas – é o acesso a recurso, seja ele qual for: água para irrigação, subsídio para produção, insumos, tecnologia; apoio institucional. O nexus água-energia-alimento é justamente para olhar dentro desse contexto. O recurso água também é destinado para consumo humano, industrial, à biodiversidade... Em uma interrelação. Isso passa por estratégias de adaptação e políticas públicas. Veja o exemplo da implantação de cisternas.

 

Há maneiras de conciliar a produção de energia eólica sem agravar problemas nas comunidades locais?

Temos um ponto de vista interessante, ao mesmo tempo dramático, para a questão da produção da energia eólica. A produção é necessária, porém atinge as comunidades locais. Essa discussão tem que envolver a sociedade de uma forma transversal. Nós temos que transitar para uma energia mais limpa. Mas qual é o impacto dessa produção? Será que temos que produzir mais e mais? Ou será que temos que otimizar, reduzir perdas no uso, na transmissão? O que fica muito claro é que as soluções passam por fortalecimento institucional. Se não há uma estrutura Estado-dependente, não governo-dependente, se fortalece instituições que dão apoio a esse tipo de iniciativa. Como engajar parcelas da sociedade, associações de produtores, etc.

 

Qual o entendimento global por sustentabilidade?

Ambiente, sociedade e economia: esses são os pilares da sustentabilidade. Não há uma sustentabilidade direcional, ela tem que estar associada à questão social, à questão ambiental, e entra a questão econômica que modula a forma da sociedade viver. A sociedade tem que ter um equilíbrio dentro desses elementos. Passa pelas variantes na questão social, de acesso, que já conversamos, na questão ambiental, de conservação, de respeito à biodiversidade, de serviços ecossistêmicos que passa pela questão econômica. As Nações Unidas lançaram os Objetivos de Desenvolvimento Sustentáveis (ODS). São 17 temas que vão desde a redução da fome, mudança climática, biodiversidade, energia... Tem indicadores que definem o quanto esse objetivo está sendo atingido. Esses pilares se traduzem para que isso seja um equilíbrio.