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Comunidade científica se une para garantir investimentos

publicado: 14/08/2020 18h00, última modificação: 17/08/2020 11h52
Após mobilização de associações, Senado aprovou projeto que impede contingenciamento de recursos do FNDCT
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Waldemar Barroso, presidente da Finep (2º à esq.), em visita à laboratórios na PB, em 2019
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Gráfico mostra o quanto investimentos em CT&I estão em queda desde 2014
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 Por Márcia Dementshuk

A história da ciência, tecnologia e inovação no Brasil registra uma conquista importante nesta semana. O Senado Federal aprovou na última quinta-feira (13) o Projeto de Lei Complementar 135/2020 que veda o contingenciamento dos recursos do Fundo Nacional do Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) e o transforma em fundo de natureza contábil e financeira. Esta é a principal fonte de financiamento para o desenvolvimento de pesquisas científicas e projetos de inovação no país, mas vinha sofrendo com esvaziamento dos recursos, direcionados - legalmente, até então - para outras finalidades. Com a aprovação do PLP 135/2020 essa manobra estará proibida. Dinheiro do FNDCT será para a ciência. Contudo, há emendas aprovadas que deixam em alerta representantes de entidades científicas. O projeto ainda deverá passar pela Câmara dos Deputados.

Associações científicas e acadêmicas intensificaram nas últimas semanas a mobilização para a votação do Projeto de Lei Complementar 135/2020 junto aos senadores. Foi um corpo-a-corpo para explicar a relevância da aprovação. Havia motivos de sobra: em 2020 a previsão de recursos do FNDCT é de R$ 6,5 bilhões sendo que R$ 1,6 bilhão se destina a empréstimos e créditos. Sobrariam R$ 4,9 bilhões para investimentos em ciência, tecnologia e inovação, mas está prevista a liberação de apenas R$ 600 milhões: apenas 12%. Os 88% restantes estão contingenciados. 

Um exemplo recente dá uma ideia da busca por investimentos em CT&I no Brasil. Com a pandemia, o CNPq publicou edital para pesquisas em covid-19 e recebeu 2 mil propostas, uma demanda qualificada de R$ 600 milhões. Somente 300 propostas serão financiadas, precariamente, com apenas R$ 50 milhões.

As entidades da comunidade científica e tecnológica debateram exaustivamente o texto inicial da PLP 135/2020, iniciativa do senador Izalci Lucas (PSDB-MG), e as emendas recebidas ao longo da tramitação. Se, por um lado, o projeto se apresenta favorável à ciência, por outro, deixa a comunidade científica em alerta.

A Emenda 6, acatada pelo Relator senador Otto Alencar (PSD-BA)  amarra em até 50% os recursos para serem obrigatoriamente empregados a projetos de desenvolvimento tecnológico de empresas, sob a forma de empréstimo à Financiadora de Estudos e Projetos - Finep. E a Emenda 10  destina um teto de 25% do FNDCT para  “programas desenvolvidos por organizações sociais que mantenham contrato de gestão com o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e que promovam e incentivem a realização de projetos de pesquisa, desenvolvimento e inovação”.

Por meio de documentos enviados aos senadores e até por contatos pessoais, as entidades científicas deixaram claro que consideram ideal os tetos de 25% para crédito às empresas e 10% destinados às OSs; pois, com 75% comprometidos, como as emendas propõem, sobram 25% de recursos para a pesquisa ampla. “As OSs já são captadoras de recursos do FNDCT e a natureza delas permite executar projetos de P&D, sendo beneficiadas pelos Programas e Ações elaborados e coordenados pelo MCTI”, registra a carta do movimento Iniciativa para Ciência e Tecnologia no Parlamento (ICTP.br) aos Congressistas.

De acordo com a Vice-presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Fernanda Sobral, a entidade ficou satisfeita com o resultado da votação, mas: “com a aprovação de até 50% para operações de crédito e 25 % para  as organizações sociais, diminuem os recursos para as Instituições de Ciência e Tecnologia e universidades, reduzindo também seu impacto na consolidação da infraestrutura de C&T. Continuaremos atentos”.

O Presidente do Conselho Nacional das Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa (Confap), Fábio Guedes, afirmou que “esse foi o melhor resultado alcançado para o momento, o contexto atual. Nos fortalece enquanto sistema de fomento à CT&I nacional, incluindo as Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa. Caberá ao Conselho Gestor da Finep a decisão da aplicação dos recursos nessa direção.

 

Aprovação do PLP 135 irá liberar imediatamente recursos do FNDCT

 

O contingenciamento é aplicado todos os anos pelo governo federal para garantir o cumprimento da meta fiscal do ano (déficit ou superávit primário). O ex-ministro da Ciência e Tecnologia, Sérgio Rezende, explica de forma mais direta: “é usado para pagar encargos, juros e amortização da dívida pública, que é o maior item do orçamento federal. Em 2019, 40% do orçamento federal foi usado para o pagamento de juros e encargos da dívida. Essa política sacrifica todos os setores, menos o sistema financeiro.”

“O Brasil não é um país pobre - continua Rezende. É um país que usa mal o seu recurso. Essa dívida tem esse valor porque é extorsiva; durante muito tempo a taxa Selic era muito alta e é a taxa Selic que remunera quem tem letras de câmbio do Tesouro Nacional. Chegou a ser a maior do mundo. O sistema financeiro coibia o governo com ameaças de não comprar títulos se os juros (a taxa Selic) não fossem altos. Isso é prática de agiotagem feita pelo sistema financeiro com o governo brasileiro durante muitos anos.  É urgente que o Brasil faça uma auditoria dessa dívida para avaliar quanto realmente foi emprestado ao País e quanto já foi pago. O Brasil está sendo extorquido pelo sistema financeiro.”

Países mais tecnologicamente avançados e que contabilizam PIB per capita mais altos investem em torno de 3% do PIB em Pesquisa e Desenvolvimento. Em Israel o valor chega a 4,5% do PIB; na Coréia do Sul, 4%; na Alemanha, 3,5%; China, 3% e Estados Unidos, 2,5%. Com a mudança na Lei que rege o FNDCT, o Brasil chegará a 1% do PIB.

Com o PLP 135/2020 definitivamente aprovado e sancionado, os recursos vinculados ao FNDCT serão totalmente descontingenciados e integralmente disponibilizados ao fundo para execução orçamentária e financeira após a entrada em vigor.

 

Fundo é termômetro do apoio do governo federal à ciência e tecnologia

 

O fundo nasceu em 1969, começou a ter recursos em 1971 e passa por altos e baixos. Quando há uma gestão pública que apoia a ciência os recursos aumentam, quando há um governo que nega a ciência, cai. Ele é o termômetro do apoio do governo à ciência.

Há quase 50 anos ele é o mais importante fundo federal de apoio para a ciência e tecnologia. Grande parte dos equipamentos de laboratórios das universidades, formação científica, projetos em instituições de ensino e pesquisa, desenvolvimento, ambientes de inovação, são financiados pelo FNDCT.

O texto do PLP 135/2020 transforma o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) em “um fundo especial de natureza contábil e financeira, sendo preservado o seu objetivo original, qual seja, financiar a inovação e o desenvolvimento científico e tecnológico com vistas a promover o desenvolvimento econômico e social do País”, como analisa o Relator do PLP 135/2020, senador Otto Alencar (PSD-BA).

Como fundo financeiro, os saldos de um exercício serão transferidos para o ano seguinte. Até então, era preciso executar todo o orçamento, ou os valores teriam que ser devolvidos ao Caixa do Tesouro Nacional.

Entretanto, com a característica de ser um fundo financeiro, o FNDCT poderia ser condicionado às regras que gerem o sistema. O que impediria, por exemplo, o fomento subvencionado executado por meio da Finep.

Sérgio Rezende, que foi presidente da Finep durante dois anos e meio, ressalta que a Finep tem um atributo singular. “Não há no mundo uma instituição como a Finep, que possa, ao mesmo tempo, emprestar recursos para empresas fazerem inovação e ‘doar’, digamos assim, recursos para instituições de pesquisa para fazerem pesquisa, chamamos de financiamentos não-reembolsáveis.”

Não se pode abrir mão dessa característica porque é assim que a ciência é financiada; o desenvolvimento científico tem um risco muito alto. Um resultado, uma solução, pode consumir anos de pesquisa para ser alcançado mas, quando obtido, oferece benefícios impagáveis à sociedade - como foi o antigo caso emblemático da penicilina.

Atento às ressalvas da comunidade científica, o Relator Otto Alencar acrescentou um parágrafo ao texto do PLP 135 ratificando: “O FNDCT não se caracteriza como um Fundo de Investimentos e não se vincula ao sistema financeiro e bancário nacional.”

O projeto que representa um avanço na política pública de Ciência, Tecnologia e Inovação teve aprovação unânime na orientação de todos os partidos que compõem o Senado Federal. E na votação individual dos senadores, a lista do “SIM” é interrompida com apenas um “NÃO”, proferido pelo senador Flávio Bolsonaro.